sexta-feira, 20 de julho de 2007

1997

O CAMPEÃO DE AUDIÊNCIA
Publicado pela Revista ISTO É - 1997


Morre Walter Clark, o executivo que mandou na Rede Globo por 12 anos e modernizou a televisão brasileira.

Há um episódio divertido na biografia de Walter Clark que ele gostava de contar. Era 1975, e o então diretor-geral da Rede Globo acabara de ser personagem de uma reportagem de capa da revista Vogue. Enfurecido, Roberto Marinho entrou em sua sala com a revista dobrada debaixo do braço e jogou-a em cima da mesa de Clark. "Porque você e não eu?", teria perguntado o presidente das Organizações Globo. O executivo nada respondeu. Fidedigna ou não, a história ilustra bem um período da televisão brasileira, que vai de dezembro de 1965 a maio de 1977, quando Walter Clark, ao lado de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, de fato mandou na Rede Globo. A dupla era tão indissolúvel que ficou conhecida como Boni e Clark, numa alusão aos personagens Bonnie e Clyde do filme Uma rajada de balas. Clark não só mandou e desmandou como foi o principal responsável pelo crescimento e transformação da emissora na líder de audiência do País. Sem o prestígio que teve nos áureos tempos, Walter Clark - o homem que ajudou a modernizar a televisão brasileira - morreu sozinho na madrugada da segunda-feira 24 no quarto da luxuosa cobertura dúplex onde morava, no bairro Fonte da Saudade, zona sul do Rio de Janeiro, vítima de uma crise de hipertensão que o levou ao infarto. Estava com 60 anos.

Filho de um eletrotécnico e de uma descendente de americanos, Walter Clark Bueno começou a trabalhar aos 16 anos no Rio de Janeiro, na Rádio Tamoyo. Tido como menino prodígio, logo se destacou. Em 1956 ingressou e levantou a TV Rio que serviu de escola e, posteriormente, de laboratório para seus engenhos. Quando saiu de lá, dez anos mais tarde, para assumir a direção da Globo, a tevê de Roberto Marinho tinha um ano de existência e parcos nove pontos de audiência. "Marinho me entregou a Globo em estado pré-falimentar e eu disse a ele, vou construir um império que vai sobreviver a mim e ao senhor", contou Clark numa entrevista a ISTOÉ, não publicada, em dezembro passado. Foi ele quem esquematizou o tipo de programação que sobrevive até hoje. É de sua autoria a invenção de ensanduichar o Jornal Nacional entre duas novelas, a das 19h e a das 20h. Vários programas que criou ainda são sucesso como o Fantástico e o Globo Repórter. No começo da indústria de novelas, usou caminhões de mudança como se fossem unidades móveis. Fortaleceu a linha de shows e criou eventos como o Festival Internacional da Canção. Clark também levou Armando Nogueira e Boni para a emissora. Quando foi demitido, em 1977 - segundo versões oficiais por alcoolismo -, não escondeu a mágoa que sentia em relação a Boni, que assumiu seu cargo. Durante os anos de ouro na Globo, Clark teve um dos maiores salários do Brasil. Cortejado e invejado, figura constante da noite e das colunas sociais, era tido como um grande conquistador. Casou-se quatro vezes e namorou dezenas de mulheres, entre elas Sônia Braga e Dina Sfat. Teve cinco filhos, cada um com uma mulher. Uma de suas filhas, Flávia, morreu tragicamente na mesma época da sua demissão da Globo. "Não sei quantas vezes casei porque casamento não se conta", dizia.

Durante a vida profissional voltou à televisão três vezes. A primeira delas como diretor-geral da Rede Bandeirantes, de 1981 a 1982. Depois passou seis meses na função de diretor da TV Rio, em 1988. De 1991 a 1992, esteve no cargo de presidente da Fundação Roquete Pinto. Nesse vai-e-vem, Clark também se dedicou ao futebol. Em 1978, foi vice-presidente do Flamengo e ajudou o time a conquistar o Mundial de Clubes, em 1981. Dez anos depois publicou sua autobiografia, O campeão de audiência, em parceria com o jornalista Gabriel Priolli. Pessoas do seu círculo diziam que, nos últimos meses, voltara a beber. Estava triste, sentia-se isolado. Walter Clark morreu no mesmo apartamento que serviu de locação para o filme Eu te amo, de Arnaldo Jabor. Na mesa do escritório, ao lado da piscina, a cadeira onde sentava era injustamente mais alta do que as duas poltronas de couro branco reservadas aos seus interlocutores. Falava de cima, mas sabia ser suave, educado e divertidamente inteligente. Reclamava da solidão e morreu sob a sombra desse fantasma.
.
.
Foto: Ricardo de Malta
.

Nenhum comentário: