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domingo, 13 de novembro de 2011

MEMÓRIAS DE JORGE BOTELHO - Parte final
















Pouco depois fui fazer o filme com o Reginaldo, nesta época contei para ele uma história que tinha em mente. Ele gostou e me encomendou o roteiro. Era uma história para dois personagens, naturalmente ele e eu. Só tinha um problema, ele queria que eu a tratasse como drama e eu só via o lado patético e cômico da situação.

Tinha participado de uma peça chamada "E agora Hermínia?" com Sueli Franco e dirigida pela Bibi Ferreira, e quando terminou, a Bibi me chamou para participar da montagem de "Piaf". Foi durante os ensaios de Piaf que recebi o telegrama da Receita Federal me convocando para o treinamento. Esse treinamento que durava 5 meses era a segunda etapa do concurso, oito horas por dia de segunda a sexta e os sábados eram para as provas. Era bem duro, só mais tarde fui descobrir o quanto era duro. Qualquer candidato que não alcançasse nota sete podia ser eliminado sumariamente. Durante esse treinamento, acredito que devido a pressão, um candidato se suicidou e outro enlouqueceu. 


Mostrei o telegrama para a Bibi e o Flavio Rangel que dirigia a peça. Ambos insistiram muito comigo que eu deveria ir para esse treinamento e eu fui.

Como eu estava entre os 10 primeiros da minha turma de 1982, fui nomeado direto para São Paulo, evitando ir para as fronteiras, destino de todo novato. Na época estava muito apreensivo, mas Gracindo Jr me disse que de início eu iria estranhar, mas depois iria gostar muito de São Paulo. Me agarrei nessa frase do Gracindo, porque sentia muita depressão vivendo na feiúra das ruas do centro de São Paulo e tendo minha filha recém nascida no Rio. Tentei algumas vezes pedir transferência para o Rio, mas nunca consegui. Muitos anos depois me sopraram que era por causa do meu sogro, o falido empresário Assis Paim, do Grupo Coroa Brastel, que estava processando o governo, e não me queriam perto dele no Rio. Com a distância, eu e Frida só nos víamos nos fins de semana. Nosso relacionamento acabou, mas continuei viajando todos os fins de semana para ver minha filha. Sempre mandei dinheiro para minha filha, e até mesmo para o Assis Paim que morreu pobre, era um bom sujeito. 


Em 1985, o Walter Avancini me convidou para participar do seriado "Grande Sertão: Veredas", como assistente de direção, eu teria que ler o livro e remontar as batalhas dos jagunços encontrando os cenários e montando os efeitos especiais com a ajuda de dois técnicos em efeitos especiais. Éramos apenas três no meio do mato cheio de onças, jaguatiricas e muitas, mas põe muitas nisso, cobras. Cobras no chão e nas árvores. Como éramos apenas três, as onças não se acanhavam de se aproximar, então passamos a preparar bombas e, de tempos em tempos, jogávamos uma para afastar todo mundo, menos as merdas das cobras, que são surdas e de repente tinha uma jararaca ou coral passando a 30 cm dos seus pés.


No final de 1985 encontrei a felicidade da minha vida na pessoa da Emilia, aquela da foto (lá em uma das postagens feitas no início), namoramos até 89, quando casamos e estamos juntos desde então com nossos dois filhos.


Vinte anos depois terminei aquela história que contei para o Reginaldo, agora bem mais incrementada, e seria uma maravilha nas mãos de uma dupla como Bruno Mazzeo e Leandro Hassum, mas não os conheço pessoalmente. Talvez Daniel Filho, mas acho que ele nem vai se lembrar de mim. Gracindo, Reginaldo e Pedro Paulo Rangel leram o roteiro e gostaram. PP é de opinião que devo procurar as pessoas, não sei bem como fazer isso, por onde começar, mas tenho que achar. Estou me aposentando daqui a alguns dias, não sei o que vou fazer, talvez termine a peça de teatro que estava escrevendo ou vou simplesmente sentar no sofá da sala e assistir a televisão. Estou aberto para sugestões. 

Um grande abraço a todos.
Jorge Botelho


PS: Acho que foi a forceps que tirei isso tudo de dentro de mim, mas acho que foi produtivo por as ideias em ordem e em conseguir enxergar, eu mesmo, mais nitidamente a minha exata dimensão. 



O Memória da TV agradece muitíssimo ao ator Jorge Botelho por todas essas preciosidades  divididas em capítulos, nessas várias postagens. Valeu muito, Jorge! Te desejo bastante sucesso nos próximos projetos!


***


sábado, 22 de outubro de 2011

MEMÓRIAS DE JORGE BOTELHO - Parte 8






SINAL DE ALERTA (1978)

A novela Sinal de Alerta não agradou o público. A audiência era baixa e quase não me lembro do que fazia na história. Pouco depois desta época, fazia uma peça de teatro, e na porta do meu camarim, um dia, apareceu o Dias Gomes, e ele se desculpou pelo meu personagem na novela. Ele disse que tinha errado a mão. Dias Gomes fazia dessas coisas.


Outra coisa que me lembro é que o Paulo Gracindo gostava muito de um bolinho de bacalhau de um determinado bar em Copacabana, mas não gostava de ir lá sozinho. Algumas vezes fomos só ele e eu e outras ia também o Gracindo Jr e uma ou outra pessoa amiga. O bolinho de fato era sensacional, com um chope geladinho era uma maravilha.


O Paulo tinha fama de assistir a todos os capítulos da novela. Um dia fomos fazer uma externa numa boate do Leblon. Gravamos uma cena e fomos para o banheiro da boate trocar de roupa. Era de tarde e a boate estava fechada para que pudéssemos tocar a gravação. Sabendo que o Paulo assistia a tudo, tive a infeliz idéia de arrancar dele um comentário sobre o meu desempenho como ator naquela novela. Então falei:


- Estou me sentindo muito mal nesse personagem.


O Paulo não falou nada, ou melhor, emitiu apenas um grunhido "hummm!". Então prossegui:

- Acho que nunca me senti tão mal numa novela.

Ele continuou mudo. Nenhuma palavra de apoio, nada. Apenas ouvi o grunhido "hummm!". Nesse momento decidi partir para o tudo ou nada:

- Sabe Paulo, nunca me senti tão canastrão assim na minha vida.


Aí o Paulo voltou à vida e me respondeu:

- Bobagem, Botelho. Não seja modesto!!




Em 1980, fazia a peça "À Direita do Presidente", com Araci Balabanian, Gracindo Jr e André Villon, e numa determinada noite, Gracindo, que era como um irmão mais velho para mim, me trouxe a notícia:

- Olhe, aquele concurso que você queria fazer, voltou!


O concurso a que ele se referia era o de Fiscal de Imposto de Renda, que eu já havia comentado com ele anos antes, mas que havia depois desistido. Então pensei: porque não? Na seqüência do curso de jornalismo tinha também feito direito e sempre tive um bom desempenho com matemática. Não perdia muito em tentar a sorte.


Foi bem interessante. Eram 108 mil candidatos para 500 vagas. Quando fui fazer as provas, fui muito reconhecido e pouco levado a sério. Percebi que falavam de mim a minha passagem.


As pessoas não se dão conta que no meio artístico tem muito glamour e que frequentemente ofusca as muitas dificuldades. Vi vários colegas passarem muitas dificuldades, como por exemplo, a gloriosa Eliana Macedo, Yara Cortes e muitas outras e outros.

Existe um número muito grande de artistas que são sócios de restaurantes, ou tem fazendas de gado, como por exemplo Tarcisio ou Juca de Oliveira, ou haras como o Lima Duarte, ou pousadas e hotéis, e por aí vai. E eu, um pé rapado, navegava a milhas de distâncias dessas opções. Pensava em Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Guimarães Rosa, Manoel Bandeira. Como vê, pensava grande.


Fiz as provas e passei. Não me lembro direito. Eram quatro ou seis provas, 16 assuntos. Cada prova com a média de 8 horas de duração. Não me chamaram e segui trabalhando.


(continua)

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

MEMÓRIAS DE JORGE BOTELHO - Parte 7

















Como sempre tive trabalho em teatro, fui levando a vida. E bastante tempo depois, fui chamado para fazer uma ponta numa novela com o Reginaldo Faria (Baila Comigo - 1981). Na hora da gravação veio a notícia que o texto não podia ser aquele que tínhamos decorado. Reginaldo então propôs que se improvisasse a cena. Eu topei e improvisamos tudo. Reginaldo, que não me conhecia, gostou e me convidou para participar do filme que iria rodar chamado "Agüenta Coração". Era o ano de 1982 e eu estava numa tremenda enrascada com uma namorada grávida e procurando dinheiro para pagar o parto. Se ele tivesse me convidado para varrer os estúdios, também topava. Posso dizer que o Reginaldo salvou minha cara e sou lhe grato até hoje. Fazer esse filme foi uma coisa sensacional, assim como desfrutar da companhia do Reginaldo e do Osmar Prado, dois atores do primeiro time. Achava que esse filme iria dar um novo alento a minha carreira. Não foi bem assim. A divulgação do filme foi bem modesta e, em São Paulo, foi lançado numa quarta-feira de cinzas. Acho que ninguém notou. Foi para mim um banho de água fria.  
 
No inicio do ano de 1975, minha mãe falecia. Já era órfão de pai desde 1962. Com a morte dela, a vida ficou mais assustadora do que já estava. Não tinha parentes para recorrer e o que ganhava era uma mixaria. Foi por essa época que passei seis meses a arroz e ovo. O café da manhã era num bar da rua do Catete, pão apenas sujo de manteiga e média de café com leite. Nessa época, tomado de sonhos de grandeza, ainda sonhava em casar com a filha de um deputado, uma moça que tinha bem mais status que eu, então comecei a engendrar um plano para me tirar daquela rua da amargura. Nunca passou pela minha cabeça pedir favor a alguém, e então, tomando o exemplo de um vizinho meu que melhorou de vida depois de ser aprovado em concurso público, comecei a considerar essa possibilidade. Por outro lado fui tomado por um pessimismo. Minha carreira não andava num ritmo que achava satisfatório. Enquanto ficava esperando que me dessem emprego, olhava com admiração para o Nanini, que produzindo a si mesmo, criava suas próprias oportunidades.
Por essa época, passeando pelos corredores da PUC-Rio de Janeiro com uma amiga, avistei sentado na primeira fileira numa aula do curso de psicologia, José Wilker, o que me causou um tremendo espanto.
Aquele encontro me motivou a também fazer um curso superior.


(continua ...)



sábado, 10 de setembro de 2011

MEMÓRIAS DE JORGE BOTELHO - Parte 6



MARRON GLACÉ  (1979)


Marron foi praticamente minha despedida da TV, e na época não achava que seria assim. A começar, fui a segunda opção para o papel. Acho que a primeira opção seria um colega de Tablado da Sura (Berditchevsky, que fez a Vanessa na novela). Ele não aceitou. Logo quando fui chamado, fiquei com a impressão que teria que ser aprovado pela Sura. É um fato que nunca confirmei. Era, como diria Guimarães Rosa: "não sabia de nada, mas desconfiava de tudo".

   
Uma curiosidade: minha mãe na novela foi a Rosita Thomas Lopes, e anos antes, quando eu tinha apenas 14 anos, fui colega de turma do filho dela no Colégio Pedro II. Meu pai era o Roberto Faissal, uma das mais lindas vozes da Radio Nacional do Rio de Janeiro, que me ajudou muito na cena depois do casamento desfeito. Era uma cena muito dramática, mas ficou mais fácil quando embalada pela sua voz. Era também um bom amigo. Aliás, amigos, posso citar alguns que me deixaram boas recordações, como o "professor" Ary Fontoura, Paulo Figueiredo, sempre generoso e companheiro, o querido Armando Bogus de saudosa memória, João Carlos Barroso, Dirce Migliaccio, que voltava a encontrar - estivemos juntos no Bem Amado e no Pica pau Amarelo - Laerte Morrone e Yara Cortes, com quem tinha feito uma peça de teatro.

Sempre me perguntaram do meu relacionamento com a Sura, ao que sempre respondi: não havia relacionamento nenhum. A Sura, para mim, só se dirigia em cena. Fiquei com a impressão que ela atravessava uma fase ruim na sua vida. Bem diferente era Louise Cardoso, sempre simpática e comunicativa. No final da novela, Cassiano me agradeceu pelo contraponto dramático que havia conseguido manter.


Nessa época, rompi uma regra sagrada que até ali vinha respeitando - não namorar colegas de trabalho, atrizes em geral - e comecei um relacionamento com a bela e suave Isis Koschdosky. Queria manter isso em segredo porque no fundo intuía que a divulgação do nosso relacionamento traria problemas tanto para ela como para mim mesmo. Mas a imprensa caiu em cima e publicou. Não demorou muito fui alertado por colegas que um importante diretor estava furioso porque alimentava esperanças de conquistar o coração dela. Nosso caso terminou com muito sofrimento, mas a carreira dela foi imensamente prejudicada. A sensação, aquela coisa que não é falada abertamente, é apenas sentida, era que as portas se fechavam diante de nós. 



Jorge Botelho com Rosita Thomas Lopes





CONTINUA ...


domingo, 28 de agosto de 2011

MEMÓRIAS DE JORGE BOTELHO - Parte 5




SÍTIO DO PICAPAU AMARELO - O Minotauro  (1978)


Não me lembro bem como fui parar no Minotauro. Como já tinha trabalhado com aquela equipe, imagino que foi uma questão de lembrança, ou apenas queriam se vingar de mim. Como sempre, a grana estava curta e qualquer convite para trabalho era bem vinda. Qual era o papel? Responderam:


- Fazer deus.

- Deus?

- Deus Dionísio.

Aí pensei: fazer deus é minha especialidade.
Coisa nenhuma! A começar pela roupa que me deram. Confesso que não me lembro o que fiz de errado com eles para me darem uma roupa cor-de-rosa. Logo no primeiro dia, quando desfilei meu saiote cor-de-rosa, foi uma enorme gozação. Não adiantou fazer cara de mau, que minha divindade já estava arruinada. Não adiantou argumentar que nos filmes de Hollywood os deuses sempre se vestiam de branco e não de rosa.

No elenco tinha muitos amigos. Era um clima muito fraternal. Gostei muito de rever minha amiga Zilka Salaberry. Esta era uma pessoa verdadeiramente incrível.


Jorge Botelho e Diana Morel no episódio "O Minotauro" (1978).




GALERIA DE FOTOS
(fotos enviadas por Jorge Botelho)

Elenco de "Os Ossos do Barão" (1973)


Jorge Botelho e Manfredo Colassantti no "Sítio do Picapau Amarelo" (1977).



Elenco de "Os Ossos do Barão" (1973)


"Sítio do Picapau Amarelo" - O Mistério dos Selos (1977)



Jorge Botelho e Jaime Barcellos


Elenco de "Espelho Mágico" (1977)




continua ...







sábado, 30 de julho de 2011


MEMÓRIAS DE JORGE BOTELHO - Parte 4




 SÍTIO DO PICAPAU AMARELO e ESPELHO MÁGICO  (1977)


Antes de participar do Espelho Mágico, eu tinha sido contrato para fazer um galãzinho na primeira versão do Sítio do Picapau Amarelo. Era uma complicada história de selos postais. Era muito bom o clima das gravações dirigidas por Geraldo Casé e Reinaldo Boury. Gravávamos muitas vezes no antigo estúdio da Atlântida, em Jacarepaguá. A alimentação era precária, mas o Casé, que entendia profundamente de culinária, ficava descrevendo os pratos mais fantásticos da culinária francesa, então, enquanto ele explicava como se preparar um pato faisandé, eu traçava um prato de arroz, alface e um ovo frito nadando em óleo sem nem notar.


Subitamente todo o núcleo do Pica-Pau foi remodelado e fiquei sobrando, foi aí que recebi o convite para participar do Espelho Mágico. É impressionante o elenco do Espelho Mágico, acho que foi a maior reunião de pesos pesados que já vi: Tarcísio Meira, Glória Menezes, Juca de Oliveira, Daniel Filho, Sônia Braga, Yoná Magalhães, Lima Duarte, Sérgio Britto, Vera Fischer, Tony Ramos, e muitos outros, inclusive eu. Guardo as melhores recordações do Tony Ramos, que tinha acabado de se mudar para o Rio, e que sofria muito com o calor da cidade. Pessoalmente ele é muito engraçado, tem um senso de humor apuradíssimo. Outra pessoa adorável era a Sônia Braga, uma pessoa de uma simplicidade inacreditável. Era um símbolo sexual naquele momento, capa da Playboy, e não estava nem aí para isso. Ela tinha a capacidade de jogar uma bata hippie em cima do corpo, calçar um chinelinho baixo, desgrenhar os cabelos e sair pelas ruas sem ser reconhecida nem importunada. E ainda tinha o Lima Duarte, o bom e velho professor que sabia tudo de TV e sempre que podia dava umas dicas para melhorar nosso trabalho. Aprendi algumas coisas muito boas com ele, não que ele falasse diretamente a mim, e sim à Sonia Braga, e eu que ficava no gargarejo aproveitava as lições. Como era difícil tirar os olhos da Sonia Braga, pude absorver indiretamente algumas boas dicas do Lima Duarte.


O final do meu personagem na novela, Eduardo, me revelou outra boa lição. Eu, Eduardo, enfrentava o personagem do Tarcísio, Diogo Maia/Ciro, num duelo à bala numa suposta ilha. Durante a gravação, o Tarcísio gentilmente foi marcar a posição dele para onde eu deveria atirar, uma vez que na ação da cena eu tinha que me atirar no chão, me virar rapidamente e atirar. Quando fui gravar, segui o que foi determinado. Logo que ouvi a voz dele, me atirei no chão girando na direção da voz e atirando, apesar da enorme distância, qualquer coisa em torno de 30m ou mais, acidentalmente um resíduo de pólvora da minha arma acabou atingindo o pescoço do Tarcísio, queimando-o. A cena teve que ser regravada e o Tarcísio, agora mais esperto, tinha sumido. Na cena os dois personagens se ferem mortalmente, enquanto o meu morreu em pouco mais de 12 segundos, ali solitário na areia da praia, o dele agonizou por 3 capítulos cercado por todo mundo.
 
 
(continua ...)
 
 

quinta-feira, 21 de julho de 2011

MEMÓRIAS DE JORGE BOTELHO - Parte 3




OS OSSOS DO BARÃO (1973)



É a novela que me deu mais sonhos e decepção. A novela iria ser dirigida pelo excelente Regis Cardoso, com quem havia trabalhado no Bem Amado. Ele tinha gostado do meu trabalho no personagem Nadinho naquela novela, e me chamou para um teste de fotografia com a Dina Sfat. Até aquele momento tinha uma enorme admiração por ela, e a possibilidade de contracenar com aquela diva, naquele momento, me encheu de orgulho. Mais tarde fui aprender que lidar com Dina Sfat não era para amadores ou novatos como eu era.


As cenas iniciais seriam gravadas em São Paulo, no Largo do Arouche. Fiquei instalado num hotel da Av. Ipiranga em excelente companhia, José Wilker. O Wilker é uma pessoa simples, extremamente simpático, sem nenhuma empáfia e muito seguro de si. Todos os dias em que ali ficamos, ele me convidava para sair. Acho que chovia tanta mulher na horta dele, que ele precisava de ajuda. Nunca pude sair para a farra com ele, lamento até hoje. Nunca pude dizer para ele que minha grana estava tão curta que não dava para alçar grandes vôos.


O Wilker é um homem alto. É provável que tenha 1,80m de altura ou mais, e eu tenho 1,76m. Logo que cheguei, a camareira me advertiu que a Dina havia comprado sapatos para ficar com a mesma altura do Wilker. Fiquei surpreso com a novidade, isso significava que ela iria ficar mais alta que eu, e o interessante é que ela sabia disso porque ficamos lado a lado para as fotos de teste. Eu iria representar o noivo que seria abandonado por ela, trocado pelo Wilker. Foi nesse momento que comecei a descer os degraus para a realidade.


Para piorar minha situação, numa tarde, na praça da República, o autor da novela, Jorge Andrade, que escrevia sua primeira novela, em conversa com alguns membros do elenco, revelou suas dúvidas, a sua insegurança de tocar um empreendimento daquele porte, e eu, um belo idiota que era (ou ainda sou), com uma língua maior que a boca, ao invés de ouvir calado, sugeri que ele se aconselhasse com o Dias Gomes. Ele me olhou com um olhar vazio, como se eu não tivesse dito aquilo, e o meu personagem que já não era grande coisa passou a não ser coisa nenhuma. A história que me contaram era que o Jorge Andrade, por inexperiência, havia criado mais cenários do que suportavam os estúdios, e os meus cenários haviam sido cortados. Dali para frente eu só teria externas e, para minha infelicidade com a Dina. As externas eram gravadas com uma câmera apenas, como meu personagem havia sido devidamente desidratado, close mesmo era só para a Dina, e quando éramos só nós dois dentro do mesmo enquadramento, a Dina ao mesmo tempo que falava, girava sobre seu eixo, de forma que ela ficava de frente para a câmera e eu, tendo que falar na sua direção, me obrigava a girar também ficando de costas para o espectador.


Meu "grand finale" seria meu suicídio. Tinham me dito que teria uma cena espetacular de suicídio. Não tive suicídio nenhum. Ele virou apenas uma narração na boca de algum personagem. Morri em off!


O pitoresco era que, algumas vezes, o Chico Anísio aparecia no set de gravação para brincar com o Paulo Gracindo. Ele perguntava pela saúde do Paulo, sugerindo que ele talvez precisasse de um substituto, e dizia que se precisassem de um velhinho com a mão trêmula, ele sabia fazer, e então ele improvisava as falas do Paulo, fazendo uma cômica imitação dele. Talvez o velho Popo tenha vindo daí.




(continua ...)







sexta-feira, 8 de julho de 2011

MEMÓRIAS DE JORGE BOTELHO - Parte 2



 
FEIJÃO MARAVILHA e  MEMÓRIAS DE AMOR (1979)


Minha participação no Feijão era quase invisível. Minha atenção estava toda voltada para o Ateneu, onde estava como assistente de direção e com um papel de bandido. Nessa época estava muito preocupado em me firmar na Globo porque dois anos antes havia passado quase seis meses vendendo o almoço para comprar o jantar, minha dieta era na base de arroz e um ovo, só dava para comprar um ovo por dia e o arroz, uma novidade da época, vinha num saquinho que se cozinhava na água fervente. Me tornei o maior especialista em um ovo, um dia era cozido, outro frito com a gema dura, no outro com a gema mole, mexido mole, mexido duro, arroz em cima do ovo, noutro dia ficava por baixo e pra variar ainda mais podia ficar de lado, neste caso bastava virar o prato para passar o ovo de um lado para o outro.


Na novela trabalhavam dois atores importantes para mim, um deles era o Marco Nanini, que apesar de termos nos formado juntos na escola de teatro, nunca fomos próximos. Nanini era uma pessoa um tanto reservada, ou então eu disse ou fiz alguma bobagem naquela época de escola e ele nunca me desculpou. Não me pergunte o quê porque não sei, ou então pode ser apenas alguma coisa de horóscopo. Mas minha admiração por ele, não é bem pelo ator, que aliás é muito bom, mas pelo administrador, o empresário. Sempre achei que se tivesse pelo menos 20% do talento dele como empresário, minha vida tinha sido bem diferente. O outro que também admirava era o Denis Carvalho, achava a voz dele linda, e tinha um controle fino sobre ela muito bom, modulava qualquer sentimento com muita facilidade e era dono de um senso de humor muito agradável. Uma vez ele me disse que tinha sido dublador, então pensei que deveria ser também dublador para ficar tão bom como ele. Fui procurar trabalho em dublagem, fiz uma espécie de cadastro, o sujeito me disse que eu tinha voz de herói, sai de lá achando que minha vida estava resolvida. Nunca me chamaram. Esqueci de perguntar quantos tinham voz de herói.


O diretor, o Paulo Ubiratan era muito competente e trabalhava como escravo de chinês, por isso morreu tão cedo. Apesar da minha situação de celofane, ele me deu umas minúsculas aulas de edição de TV que foram úteis mais na frente. O Ubiratan gostava do Nanini e comentava isso.


Como minha atenção estava voltada para o Ateneu, o Feijão é apenas uma pálida lembrança para mim.
 
 
(continua ...)
 

sexta-feira, 1 de julho de 2011

 
JORGE BOTELHO - Memórias do ator  (Parte 1)
 
 
 
 
 
 
 
Eis a primeira parte das memórias de Jorge Botelho, contadas de forma bem humorada, escritas pelo próprio ator.
 
 
   O BEM-AMADO (1973)



Acho que foi a novela que mais prazer me deu de participar, pelo elenco, pela equipe técnica, direção do Régis, pelo texto. Não havia erro, talvez isso explique o sucesso enorme que fez. Na época eu participava de uma peça chamada "Liberdade para as Borboletas", e fazia um hippie bem maluco, eu improvisava muito e tirava muitas gargalhadas do público. Quando surgiu o personagem na novela, era apenas para 5 capítulos. Edson Húngaro, que trabalhava na produção, tinha assistido a peça e me indicou, logo em seguida fui indicado também pelo Paulo Gracindo, com quem tinha trabalhado noutra peça. Gracindo alertou o Dias Gomes para prestar a atenção no meu desempenho, e o Dias escreveu para o Nadinho, meu personagem, até o final, só não pode ser melhor porque a Dilma Lóes, que fazia Anita Medrado, se desentendeu com a Globo e foi afastada da novela. Ela me hipnotizava com a beleza dela.

Me considero abençoado por ter convivido com aquelas pessoas naquela época, pessoas de uma dimensão e qualidade humanas incomparáveis tais como Gracindo, Lima Duarte, Jardel Filho, Eliezer Mota, Sandra Bréa, até hoje a considero a maior e melhor cozinheira que já conheci. Todos eram incríveis, todos não, digamos 90%, vamos deixar uns 10% para alguns não tão bons que nem merecem ser mencionados e que milagrosamente esqueci.

Nessa novela trabalhavam dois colegas de escola de teatro, eram Augusto Olimpio, o cabo Ananias e o Jorge Candido, o porteiro do hotel. Eram dois irmãos para mim. Jorge morreu no ano seguinte, aos 36 anos, de derrame cerebral e o Augusto em 89, de câncer no pulmão, tinha 49 anos. Foi aí que parei de fumar.

Outros dois colegas de escola de teatro são Pedro Paulo Rangel e Marco Nanini.

 

FEIJÃO MARAVILHA (1979)


É a novela que me deu mais raiva!  Não de fazer, mas de mim mesmo. Já trabalhava como assistente de direção de "A Sucessora" ou "Memórias de Amor", e só corria para gravar minha pequena parte e sumia do set. Anos depois descobri que nela trabalhavam algumas pessoas que eu daria tudo para conhecer pessoalmente, como Eliana Macedo, Cauê Filho, acho que tinha até o José de Arimathea lá. Doeu no coração ter perdido essa oportunidade.

Nessa época uma luz vermelha começou a piscar no meu minúsculo cérebro. Pelos corredores da Globo encontrei o Ted Boy Marino que havia sido um ídolo de luta livre, mas naquele momento praticamente era uma pálida sombra do que havia sido. Me pareceu um bom sujeito, dois amigos o acompanhavam, quase para dar apoio moral ao Ted. Ted tinha uma expressão mista de ansiedade e timidez, era como se tivesse procurando onde estava a saída, no caso, saída para a falta de dinheiro para por a comida na mesa. Outro que encontrei foi o Francisco Carlos, que havia sido um cantor de sucesso, mas que perdeu espaço com o surgimento da Jovem Guarda e da Bossa Nova. No início da minha puberdade assisti um filme em que ele cantava uma música chamada "Rosa Amorosa". Aquilo mexeu com todos os meus hormônios, eu estava cheio de amor para dar, mas ainda era absolutamente invisível para as meninas. Muitas paixões secretas e platônicas. Francisco Carlos queria voltar ao sucesso, mas não encontrava o caminho de volta. Percebi nele muita amargura. Ee contou que vivia de pintura. Não me pareceu que tivesse ficado rico com isso. Eu já era órfão de pai e mãe e sem patrimônio. Isso te obriga a ficar atento com a vida. Anos antes eu havia tentado uma aventura em São Paulo e me dei mal, fiquei 3 dias sem comer. Aprendi que comer era uma coisa importante. No terceiro dia sem comer, éramos três colegas dividindo um quarto. Achamos uma moeda numa roupa suja. Já não sentíamos fome, apenas um cansaço e sono. Decidimos ir para a rua para comprar o máximo de comida com aquela moeda. A primeira coisa que vimos, compramos: uma barra de doce de leite, num camelô da 23 de maio. Dividir a barra em três deu certo trabalho, o duro mesmo foi dividir o celofane para lamber.

Alguns anos depois voltei a São Paulo, mas agora guardei dinheiro para comer, mas não tinha onde dormir, quem me ajudou foi o Pedro Paulo Rangel. Era inverno e fui dormir na oficina de artesanato de um amigo dele. Dormi numa poltrona, o frio me acordou logo de manhã, saí, peguei um ônibus e no calorzinho do ônibus dormi até o ponto final, fui acordado e desci desorientado e perdido na cidade de São Paulo. Como vê, moro aqui por pura teimosia.

Voltando à vaca fria, ver aqueles artistas e outro que não citei mudando-se para as vizinhanças da Rua da Amargura, mexeu com os meus nervos.


por Jorge Botelho

(continua ...)