quinta-feira, 3 de abril de 2008

1976


SÍLVIO SANTOS SAI DA REDE GLOBO E VAI PARA A TUPI!

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UMA BRIGA DE PAU, PEDRAS E ATIRADEIRAS
Escrito por Maria Helena Dutra e publicado pelo Jornal do Brasil (27/08/76)

O único acontecimento fora da rotina de programação da televisão brasileira, neste ano, foi a transferência de Sílvio Santos da Rede Globo para a Rede Tupi, no início do fatídico mês de agosto. Uma mudança que chegou mesmo a ser superdimensionada pelo público devido a esperança de provocar alterações nos repetitivos e cansados esquemas e padrões das duas estações. A publicidade, através dos jornais, enormes outdoors e insistentes chamadas nos canais respectivos, ajudou a criar mesmo um clima de guerra de rações para os domingos e despertou curiosidade fez aumentar até o número de aparelhos ligados, neste dia, em todo o Brasil.
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Esperava-se, por isso, o lançamento de mísseis, interceptadores e potentes armas nucleares. E, mais uma vez, a nossa televisão provou continuar na era da pedra lascada, porque os domingos se repetem e as armas utilizadas nesta batalha, onde tantos milhões foram investidos, são apenas pau, pedras e humildes atiradeiras. O uso deste modesto arsenal fora comum a Sílvio Santos, em seus oito anos de liderança de audiência na Rede Globo, e lhe conferira crescente prestígio popular e até a concessão de um canal de televisão. Por isso sabia-se de antemão que ele não iria alterar, profundamente, uma artilharia que bastava para seu tipo de guerra. Mas, apostando-se no seu incontestável tino comercial, esperava-se que o incansável animador pelo menos desse outro tipo de polimento e acrescentasse algumas espoletas a seu já fatigado equipamento bélico. Ledo engano de observadores amadores em estratégia. A maratona do sono que Sílvio agora comanda na Tupi, e também na sua TVS, de onze e meia da manhã às oito da noite, continua inexoravelmente igual às anteriores, abusando dos jogos de circuito interno para compradores de seus variados carnês, onde o nível das perguntas e respostas só pode ser classificado de humorístico. Eu sei que deve ser difícil de acreditar, mas juro ter assistido a Sílvio perguntar a um candidato: "Quem converteu Pilatos à religião católica?" E aceitar como resposta certa: "São Pedro". Reinventaram a Bíblia. Nos números musicais o nível é Paulo Sérgio, Ângelo Máximo e Roberto Leal. Crianças continuam escolhidas para Cinderelas, uma agressão à infância e Ronald Golias permanece sem texto, um desrespeito ao profissional. Nas adivinhações de Quem sabe mais?, os atores convidados ignoram qual seja a capital do Peru, os calouros ainda são julgados por júris engraçadinhos e as perguntas culturais de Arrisca Tudo são apenas constrangedoras.

Se nenhuma novidade portanto agita o marasmo do programa em canal novo, é evidente porém que coube a Sílvio escolher as armas. Porque sua grande adversária, a Rede Globo, também não detonou nenhum artefato de grande alcance na parte de tempo que lhe coube preencher. A sua programação pode ser até científica em termos de propostas imediatas e equivalentes para o público que antes assistia Sílvio Santos em seu canal, mas peca pela falta de ousadia e esquecimento da tática de que "a melhor defesa, é o ataque." Optando pela cautela, a Rede Globo não fornece em realidade nenhuma diversificação ao público. Ela começa a briga reprisando "O Planeta dos Macacos", seriado que teve sua primeira audição de grande sucesso encerrada há apenas cinco meses. É difícil querer repetir tão depressa, e o mesmo acontece com a outra atração Domingo Gente que não passa de uma edição aumentada, requentada e mais desorientada do jornal diário Hoje. O problema do esporte, a terceira oferta espetacular do Bom Domingo é mais grave porque suas ofertas são, na maioria, jogos internacionais que entusiasmam pouco. Esta programação poderá ser, porém, bastante útil e interessante quando estes eventos forem alternados com variadas competições nacionais.Se o esporte ainda poderá se transformar em eficiente canhão na guerrinha, os programas seguintes do domingo global jamais passarão de canhestros tacapes. Disneylandia 76 tem lindas cores, mas é um seriado frio com muito pouco a oferecer ao jovem público brasileiro. A idéia de Moacyr TV tem seus méritos comerciais, apresentar o mundo da televisão para o público. Mas sua execução até agora é lamentável, e a substituição dos intérpretes criadores por outros atores e o concurso para novos valores destinados a telenovela não conseguem se transformar em atração. Não tem razão de ser como espetáculo uma brincadeira que nada acrescenta como informação ou testes que só podem interessar aos diretores da estação Os esforços de Moacyr Franco e Pepita Rodrigues para serem simpáticos ficam apenas postiços e gratuitos devido à dificuldade de animar uma festa insossa de origem. O Globo de Ouro, logo a seguir, continua a exemplificar a carência de soluções cênicas e de imagem para a linguagem musical da televisão. Nele a opção é o palco, onde a competência de cada autor intérprete faz o espetáculo, como os escolhidos em geral não dispõem deste atributo fica-se mesmo na mediocridade tipo Benito de Paula ilustrada por vazios virtuosismos de câmera. E, finalmente, 8 ou 800, programa de perguntas pseudamente culturais, à semelhança do Arrisca Tudo, é chumbo miudíssimo. A razão invocada para a exumação deste gênero de programa, que já fez furor na televisão brasileira sob o nome de O Céu É o Limite e Show sem Limite, é que o esquema voltou a ser sucesso mundial. Só o que é bom pra lá, não é necessariamente igual pra cá, porque o programa é híbrido e não consegue também informar ou divertir. As perguntas de algibeira sobre os assuntos focalizados não acrescentam um dado cultural ao espectador, e o show, mesmo bastante enfeitado pela Rede Globo, é inexoravelmente monótono, pela falta de comunicação e entusiasmo dos atuais candidatos e dos apresentadores Paulo Gracindo e Sílvia Falkenburg.

Um estado de espírito que atinge o mobilizado público frustrado ao final de cada batalha pela ausência das grandes manobras que consagram destemidos combatentes. Como a guerra porém continua, e no caso específico excepcionalmente ela é saudável e atraente por substituir antigos marasmos, seus observadores vão sempre retornar ao front esperando que os contendores surjam com munições mais adequadas e explosivas doses de imaginação.

Fonte: TV Pesquisa (PUC - Rio)
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