sexta-feira, 29 de maio de 2009

1986
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Amanhã é a grande estreia do remake de Selva de Pedra!
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UM AMOR ATORMENTADO PELA AMBIÇÃO.
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Um homem avassalador em sua ambição de poder, luxo, riqueza. Na maratona para atingir seus objetivos, encontros e desencontros, conquistas e frustrações, e até mesmo a renúncia ao verdadeiro amor, trocado pelo envolvimento, mais conveniente, com uma mulher rica. Disso e de muito mais trato "Selva de pedra", história de Janete Clair exibida pela Rede Globo em 1972 e que volta ao ar amanha, às 20h30m, adaptada por Regina Braga e Eloy Araújo. Tony Ramos, Fernando Torres e Christiane Torloni vivem o triângulo Cristiano Vilhena, Simone e Fernanda. A direção dos 20 primeiros capítulos coube a Walter Avancini, que tem seu trabalho continuado por Denis Carvalho.
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Coincidentemente, foi Walter Avancini, diretor de mini-séries como "Grande sertão: Veredas" e "Anarquistas, graças a Deus", quem assumiu a direção de "Selva de pedra", no meio da trama, em 72. Agora, 14 anos depois, ele está de volta no comando dos 20 primeiros capítulos da novela, impondo ao enredo um novo olhar, próprio dos anos 80:
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- Minha função na novela é implantá-la e não existe outra forma de realizar isso que não seja buscar um outro tom, baseado nos códigos de comportamento de hoje. A estrutura permanecerá intocável, mas os diálogos foram retrabalhados e a trama, agilizada. Tanto que os 260 capítulos da versão anterior foram condensados em 160.
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A reedição de "Selva de pedra" não consiste numa idéia gratuita, já que diversos aspectos da novela permanecem atuais. E mais, poderão ser aprofundados, graças à ousadia de sua autora, Janete Clair. Diz Avancini:
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- Relendo a novela dentro de uma análise conceitual, descobri que "Selva" tem um lado muito atual, fruto do não maniqueísmo que a Janete exercitava. Embora ela tivesse uma superfície romântica e, por temperamento, tentasse justificar determinadas reações tidas como imorais nessa busca de poder, percebe-se que todos os personagens exercitam um tipo de imoralidade, tal como ele é conceituado em nossa sociedade. Cada um procura seu interesse, sem pudores em relação às armas que vai usar. Este movimento é absolutamente atual. E corre, ao lado disso, a capacidade inquestionável de Janete de criar e articular uma trama. Além disso, 72 foi uma época de muita repressão, de um moralismo absoluto, de uma censura total. Eu mesmo, quando assumi a direção da novela, por volta do capítulo 72, não aprofundei esse aspecto. Por outro lado, o público, que também fazia parte daquele cenário, tinha uma visão moralista condicionada pelo sistema e não conseguia ver esses aspectos da imoralidade. Fixou-se, então, nas relações românticas, pois o que se discutia na época era a decência, a honestidade. Todo mundo aceitava aquela visão artificial da sociedade brasileira. Hoje há espaço para se aprofundar essa discussão, mesmo mantendo a perspectiva romântica.
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"Selva de pedra" conta a história de Cristiano Vilhena, um homem decidido a conquistar seu lugar na sociedade, mas ao lado dos poderosos. Nessa escalada, ele chega a abdicar de Simone, uma escultora a quem ama verdadeiramente, para se envolver com Fernanda, mulher rica e apaixonada por ele. Em sua progressão social, Cris se ampara no tio, Aristides, dono do Estaleiro Celmu S.A., que o introduz no mundo que ambiciona. Mas nesse caminho até o topo nem tudo serão flores, segundo Avancini:
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- Cristiano não é uma pobre vítima nem nunca foi. Ele parte para a conquista de espaços na sociedade capitalista e não é bloqueado por nenhum conceito moralista nessa batalha. Na realidade ele é um amoral, pois seus dramas interiores não são verdadeiros sequer para alterar seu comportamento na busca do poder. Já em 72 Cris era um personagem que fugia aos padrões do mocinho romântico e essa linha de conduta se mantém. Isso não é tão fácil, no entanto. Quando um ator representa um personagem seu contemporâneo, ele tem que liberar o seu verdadeiro comportamento como indivíduo dessa sociedade. A tomada de consciência do próprio comportamento passa então a ser vivida como um bloqueio.
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É curioso isso. Surgem pudores nesse processo de auto-reconhecimento, pois é o exercício de suas sensibilidades como homens e mulheres de hoje. Este é um trabalho duro, mas o elenco tem se dedicado muito. Há uma vontade de atingir um entendimento do que seja esse processo. Só que do entendimento à concretização é um caminho longo, que espero que tenha continuidade com o Denis Carvalho, que assumirá a novela e para quem tenho passado todas as informações.
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Na difícil tarefa de atualizar "Selva de pedra", técnica e criatividade tiveram que aliar-se. E foram Regina Braga e Eloy Araújo os heróis da empreitada. "Foi um verdadeiro trabalho de estiva!", exclamam os autores. E não poderia ser diferente, já que, além dos capítulos, não havia nenhum material da época, seja de pesquisa, seja sob a forma de depoimentos das pessoas envolvidas. Assim os dois puseram mãos à obra. Atualizar era a palavra de ordem, precisa mas também extensa, na medida em que incluía desde as situações multas inverossímeis para os dias atuais -, os personagens - cujas trajetórias nem sempre eram coerentes - e as falas - diversas em desuso. Tudo isso mantendo inalterada a estrutura da novela, como explica Regina:
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- A grande dificuldade dessa adaptação é que percebemos, a partir das muitas leituras de "Selva" e de exaustivas discussões, que os personagens criados pela Janete são como peças de um jogo de xadrez, no qual o adversário era o público. Assim, se um personagem num momento correspondia a um peão no xadrez, no momento seguinte, em função da resposta do público, ele poderia se transformar na torre ou no bispo. Isso significa que a sua importância mudava. Era o jogo da Janete. Hoje, porém, vemos que essas mudanças nem sempre tinham uma coerência intrínseca. Ela fazia um jogo aberto, quase desrespeitando o jogo dramatúrgico. Muito bem, Janete não está mais entre nós, não podemos fazer esse jogo. Trabalhamos, portanto, numa obra fechada.
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Eloy lembra, ainda, que muitos anos se passaram:
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- Surgiram novos autores e, com eles, uma nova linguagem. Muita coisa mudou. Então, temos que pegar o jogo dela e transformá-lo para o código atual das novelas. Mas é maravilhoso olhar com profundidade para a forma com que Janete trabalhava. Geralmente, o que cansa em novela é o fato de ela ser feita em compartimentos estanques. Trabalha-se determinadas facções, resolve-se suas tramas e depois parte-se para arrumar outros núcleos. No trabalho de Janete, pelo menos em "Selva de pedra", ela produz acontecimentos que vão mexer com todos os núcleos. Claro que existem fatos paralelos, mas tudo caminha a partir de uma temática central. Não há tempo para que um núcleo se esgarce, pois nada fica para trás. Isso é muito importante para uma novela se tornar compacta e densa enquanto ação dramática.
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Junto a isso, ressalta Regina, há que se levar em conta a essência da televisão, veículo de comunicação de massa:
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- A comunicação em TV tem que ser imediata e dentro do senso comum. Não há tempo para atitudes mais pensadas. Os personagens são sempre muito bem definidos, os bons, os maus, o vilão, o herói, a mocinha...
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Mas como todas as regras, esta também tem exceções, afirma Eloy:
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- Na própria "Selva de pedra" Cristiano é um bom exemplo dessa exceção. Ele é um anti-herói. Envolve-se num crime, ambiciona o poder e para isso passa por cima de tudo, namora a Simone mas liga-se também a Fernanda, enfim, é um personagem conturbado, dividido, sofrido, e se deixa levar por toda a sua ambivalência.
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Ler, reler, descodificar, codificar, analisar, sintetizar. Estas as atividades dos autores antes de produzirem os capítulos.
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Bem, amanhã "Selva de pedra" está no ar. Uma história de desencontros, provocados pela ambição. Mas também uma fábula, pois após uma trajetória sofrida, com tombos e sofrimentos pelo caminho, enfim, a redenção: o poder nada é comparado à força regenerativa do amor!
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Fonte: O Globo (1986)
TV Pesquisa (PUC)
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