segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

1987



LEILA RICHERS
A DEUSA DA MADRUGADA
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por Ricardo A. Setti
Jornal do Brasil
18/07/1987

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SÃO Paulo - Existe uma musa do éter nas madrugadas brasileiras. Não é nenhuma das mulheres que ficam peladas no programa de Goulart de Andrade, na TV S. Não é, tampouco, uma das tantas locutoras que, pelo rádio, povoam a imaginação dos motoristas de caminhão que cortam as esburacadas rodovias nacionais com vozes sedutoras a la Tokyo Rose - a locutora japonesa que procurava amansar o ímpeto guerreiro dos pracinhas americanos no Pacifico, durante a II Guerra Mundial.


A musa da madrugada chama-se Leila Richers, a bombshell que a Rede Manchete de televisão encarregou de nos trazer, depois da meia-noite, as (freqüentemente más) notícias do mundo.

Más noticias? Bem, quando é Leila quem anuncia, a coisa muda de figura. Tenho um amigo que cometeu a insensatez de colocar todas as suas economias na Bolsa, e já pude presenciar, um dia desses, a Leila anunciar uma queda bruta de dez pontos no índice das ações mais negociadas enquanto ele assistia à televisão. Pois bem, meu amigo nem piscou ao ficar sabendo que seu patrimônio encolhera. Aliás, piscou sim, mas de puro embevecimento. "Olha lá", disse ele, num assomo de entusiasmo literário, "ela tem aqueles cabelos negros como a asa da graúna de Iracema, de José de Alencar". Perdoe-se a metáfora cafona. E relevemos o fato de que provavelmente os cabelos da moça serão castanhos. Da mesma forma que o falecido deputado José Maria Alkmin dizia que em política não importa o fato, mas a versão, pode-se dizer que em TV não importa a pessoa em carne e osso, mas a sua imagem.


Um outro conhecido meu suspeita ser Leila a prova viva de que a Globo, que é mais poderosa do que a Manchete, tem ali infiltrada uma poderosa quinta-coluna, suficientemente eficiente para manter Leila presa ao noticiário da madrugada. Não fosse tal providência, argumenta ele, e a Leila pudesse passar, com sua irretocável beleza, para a primeira edição do Jornal da Manchete, e a Globo veria só o que é perder audiência. De fato, os muxoxos de Natália do Vale, os arroubos juvenis da Malu Mader e a exuberância madura da Yoná Magalhães na novela "O Outro" são fichinhas perto do ar zombeteiro, da pronúncia irresistível, dos olhos levemente maliciosos e da boca perfeita da Leila Richers anunciando mais um quebra-quebra na Coréia do Sul.


E o charme do visual da Leila Richers, então? Conheço gente que joga uma nota firme, em madrugadas insones, só pra ver quem acerta o estilo do cabelo (Vai ser solto? Com mais ou menos cachos? Com ou sem franja? Preso atrás ou puxado para o lado?), ou então torce as mãos de apreensão esperando a surpresa do dia (ou da noite): será que vai ter uma orquídea na lapela? Ou ela vai vir com uma versão feminina do jaquetão do Sarney?


Soube um dia desses, de outro fanático do fã-clube de Leila. Só para descobrir que segredinhos e confidências ela faz para seu parceiro logo antes dos intervalos comerciais, quando a câmara se afasta dos dois, a voz desaparece e entra o jingle do telejornal, ou então no final do noticiário, quando entram na tela os créditos do programa, mas os dois aparecem conversando sem som, esse arrebatado admirador resolveu fazer um curso para aprender leitura labial. Avaro e guloso de suas descobertas, ele não revela a ninguém o que ficou sabendo.


Por tudo isso, e muito mais, há cada dia mais gente convencida de que essa jovem arrebatou de vez o cetro de musa da madrugada. Provavelmente nem a Xuxa, segundo esse pessoal, teria qualquer chance no horário, mesmo que passasse a dizer "beijinho, beijinho, tchau, tchau" depois de ler um comentário sobre a glasnost do camarada Gorbachev. Quanto a mim, juro que nem ligo para essa apresentadora da Manchete. Aliás, ela é Leila de que, mesmo?


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Fonte: TV Pesquisa (PUC - Rio)


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