sexta-feira, 1 de julho de 2011

 
JORGE BOTELHO - Memórias do ator  (Parte 1)
 
 
 
 
 
 
 
Eis a primeira parte das memórias de Jorge Botelho, contadas de forma bem humorada, escritas pelo próprio ator.
 
 
   O BEM-AMADO (1973)



Acho que foi a novela que mais prazer me deu de participar, pelo elenco, pela equipe técnica, direção do Régis, pelo texto. Não havia erro, talvez isso explique o sucesso enorme que fez. Na época eu participava de uma peça chamada "Liberdade para as Borboletas", e fazia um hippie bem maluco, eu improvisava muito e tirava muitas gargalhadas do público. Quando surgiu o personagem na novela, era apenas para 5 capítulos. Edson Húngaro, que trabalhava na produção, tinha assistido a peça e me indicou, logo em seguida fui indicado também pelo Paulo Gracindo, com quem tinha trabalhado noutra peça. Gracindo alertou o Dias Gomes para prestar a atenção no meu desempenho, e o Dias escreveu para o Nadinho, meu personagem, até o final, só não pode ser melhor porque a Dilma Lóes, que fazia Anita Medrado, se desentendeu com a Globo e foi afastada da novela. Ela me hipnotizava com a beleza dela.

Me considero abençoado por ter convivido com aquelas pessoas naquela época, pessoas de uma dimensão e qualidade humanas incomparáveis tais como Gracindo, Lima Duarte, Jardel Filho, Eliezer Mota, Sandra Bréa, até hoje a considero a maior e melhor cozinheira que já conheci. Todos eram incríveis, todos não, digamos 90%, vamos deixar uns 10% para alguns não tão bons que nem merecem ser mencionados e que milagrosamente esqueci.

Nessa novela trabalhavam dois colegas de escola de teatro, eram Augusto Olimpio, o cabo Ananias e o Jorge Candido, o porteiro do hotel. Eram dois irmãos para mim. Jorge morreu no ano seguinte, aos 36 anos, de derrame cerebral e o Augusto em 89, de câncer no pulmão, tinha 49 anos. Foi aí que parei de fumar.

Outros dois colegas de escola de teatro são Pedro Paulo Rangel e Marco Nanini.

 

FEIJÃO MARAVILHA (1979)


É a novela que me deu mais raiva!  Não de fazer, mas de mim mesmo. Já trabalhava como assistente de direção de "A Sucessora" ou "Memórias de Amor", e só corria para gravar minha pequena parte e sumia do set. Anos depois descobri que nela trabalhavam algumas pessoas que eu daria tudo para conhecer pessoalmente, como Eliana Macedo, Cauê Filho, acho que tinha até o José de Arimathea lá. Doeu no coração ter perdido essa oportunidade.

Nessa época uma luz vermelha começou a piscar no meu minúsculo cérebro. Pelos corredores da Globo encontrei o Ted Boy Marino que havia sido um ídolo de luta livre, mas naquele momento praticamente era uma pálida sombra do que havia sido. Me pareceu um bom sujeito, dois amigos o acompanhavam, quase para dar apoio moral ao Ted. Ted tinha uma expressão mista de ansiedade e timidez, era como se tivesse procurando onde estava a saída, no caso, saída para a falta de dinheiro para por a comida na mesa. Outro que encontrei foi o Francisco Carlos, que havia sido um cantor de sucesso, mas que perdeu espaço com o surgimento da Jovem Guarda e da Bossa Nova. No início da minha puberdade assisti um filme em que ele cantava uma música chamada "Rosa Amorosa". Aquilo mexeu com todos os meus hormônios, eu estava cheio de amor para dar, mas ainda era absolutamente invisível para as meninas. Muitas paixões secretas e platônicas. Francisco Carlos queria voltar ao sucesso, mas não encontrava o caminho de volta. Percebi nele muita amargura. Ee contou que vivia de pintura. Não me pareceu que tivesse ficado rico com isso. Eu já era órfão de pai e mãe e sem patrimônio. Isso te obriga a ficar atento com a vida. Anos antes eu havia tentado uma aventura em São Paulo e me dei mal, fiquei 3 dias sem comer. Aprendi que comer era uma coisa importante. No terceiro dia sem comer, éramos três colegas dividindo um quarto. Achamos uma moeda numa roupa suja. Já não sentíamos fome, apenas um cansaço e sono. Decidimos ir para a rua para comprar o máximo de comida com aquela moeda. A primeira coisa que vimos, compramos: uma barra de doce de leite, num camelô da 23 de maio. Dividir a barra em três deu certo trabalho, o duro mesmo foi dividir o celofane para lamber.

Alguns anos depois voltei a São Paulo, mas agora guardei dinheiro para comer, mas não tinha onde dormir, quem me ajudou foi o Pedro Paulo Rangel. Era inverno e fui dormir na oficina de artesanato de um amigo dele. Dormi numa poltrona, o frio me acordou logo de manhã, saí, peguei um ônibus e no calorzinho do ônibus dormi até o ponto final, fui acordado e desci desorientado e perdido na cidade de São Paulo. Como vê, moro aqui por pura teimosia.

Voltando à vaca fria, ver aqueles artistas e outro que não citei mudando-se para as vizinhanças da Rua da Amargura, mexeu com os meus nervos.


por Jorge Botelho

(continua ...)



2 comentários:

Mauro Barcellos disse...

Muito bom!
Ator naquela época passava o maior trabalho, fome mesmo. Bem diferente de hoje em dia. Por isso que hoje tem muito mais glamour do que gente talentosa na TV. Qualquer um pode ser ator, é fácil demais.

Anônimo disse...

"Dividir a barra em três deu certo trabalho, o duro mesmo foi dividir o celofane para lamber."

A coisa tava feia mesmo hein? rs