sábado, 30 de outubro de 2010


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A INESQUECÍVEL RAINHA DA SUCATA

Sucesso de 1990, a novela de Sílvio de Abreu focava na mudança de mãos pela qual o dinheiro passava.

Por Wesley Vieira
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“Seu corpo estremece e já não consegue parar. Seu sol se espalha na pele fazendo suar. Seu ritmo é quente, bate que bate com emoção. Te abraço, te roço, te esfrego, te sujo então...” Impossível esquecer esses versos da deliciosa lambada de Magal abrindo a inesquecível “Rainha da Sucata”, novela de Silvio de Abreu, exibida pela Rede Globo no horário das oito do dia 02 de abril até o dia 26 de outubro de 1990. No entanto, impossível mesmo é esquecer o embate das duas mulheres igualmente fortes: Maria do Carmo (Regina Duarte), empresária bem sucedida do ramo da sucata, e Laurinha Figueroa (Glória Menezes), socialite falida, porém com prestígio nas altas rodas.
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A novela “Rainha da Sucata” estreou em plena implantação do famigerado Plano Collor, quando o dinheiro das poupanças ficou retido nos bancos como medida preventiva contra a inflação. Com muita eficácia, Silvio reescreveu cenas dos primeiros capítulos e inseriu a medida econômica do governo no texto da novela. Como o dinheiro era praticamente a mola propulsora ou o tema principal da trama, nada mais justo do que falar da nova realidade do país de então. O maior mérito de Silvio que contou com a colaboração de Alcides Nogueira e José Antonio de Souza, foi fazer uma novela que tinha como proposta, dissertar sobre a nova sociedade que se formava naquele início dos anos 90: os novos emergentes, os verdadeiros donos do dinheiro que circulava no Brasil.
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DINHEIRO E FALTA DE STATUS X DECADÊNCIA E PODER
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A empresária Maria do Carmo Pereira, a rainha da sucata em questão, fez fortuna com os negócios do pai, que venceu na vida comercializando sucata, e se tornou uma empresária de sucesso, atuando num prédio da Avenida Paulista onde está instalada a sua concessionária de veículos. Para se aproximar da alta sociedade, coisa que ainda não conseguiu apesar de ter dinheiro, ela abre a Sucata, uma luxuosa casa de shows no alto do prédio que mais tarde se torna uma lambateria para ricos e espera se tornar conhecida ou em outras palavras, se tornar uma celebridade nas colunas sociais. O que ela quer de fato, é se tornar a Rainha da Sucata do Brasil.

Bonita e meio grossa, Do Carmo já foi casada duas vezes e paga pensão para os ex-maridos. No início da história ela namora Gérson (Gérson Brenner) “uma das filhinhas” da impagável Dona Armênia (Aracy Balabanian), mas o seu primeiro amor volta e meia vem revirar as suas lembranças. Trata-se de Edu Figueroa (Tony Ramos), um bon-vivant da alta sociedade que no passado foi um dos responsáveis por humilhá-la em pleno baile de formatura quando teve um balde de lavagem despejado em sua cabeça. Engana-se quem pensa que Do Carmo relembra esse passado com ódio. Apesar de ter sofrido naquela noite, ela ri toda dona de si, levanta a cabeça e mostra que é uma vencedora.
O passado vem bater novamente à porta de Maria do Carmo quando, no dia da desastrosa inauguração da Sucata, Edu descobre que sua aristocrática família está falida e bêbado, após uma aposta com um mendigo, decide se suicidar pulando do alto do edifício. Ele prefere morrer a ficar pobre e quando se joga, acaba ficando preso na placa da Sucata onde Paula (Claudia Ohana), uma jornalista cansada de matérias fúteis, o ajuda, ao mesmo tempo em que acha que ali está a grande matéria que lhe dará uma virada em sua carreira.

Edu revela que sua família está falida e o escândalo toma conta da primeira página de jornal. Isso é o bastante para levar Maria do Carmo à mansão dos Figueroa, onde pretende oferecer seus préstimos em troca de um lugar na alta sociedade. Nesse momento, ela reencontra Edu, mas terá que enfrentar a fúria de sua madrasta Laurinha Albuquerque Figueroa (Glória Menezes), uma socialite metida e inescrupulosa, eternamente apaixonada pelo enteado.
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COISAS DE LAURINHA!
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Laurinha é uma dessas vilãs memoráveis. No início da história, ela decide participar dos negócios de Do Carmo com o seu prestigio em troca de dinheiro, enquanto a sucateira também a usa para se tornar reconhecida nas altas rodas da sociedade. O pacto entre as duas não dura muito, pois assim que Laurinha percebe o interesse de Do Carmo em seu enteado, trata de usar as suas garras. Entre outras coisas, a megera explorava a empregada Lena (Lolita Rodrigues) que fazia banquetes para festas de outros grã-finos. Ela ainda renegava o estilo de vida de seus dois filhos: Rafael (Mauricio Mattar), um instrutor de pára-quedismo sem grandes ambições e Adriana Ross (Claudia Raia), a “bailarina das coxas grossas” que era o desastre em pessoa e sonhava estrelar um grande musical... Além de outras crueldades, para acelerar a morte do marido Betinho (Paulo Gracindo), Laurinha trocava os seus remédios e lhe dava doces, mesmo sabendo que ele era diabético. Todas essas tramas diabólicas são acompanhadas de longe pelo misterioso Jonas (Raul Cortez), o mordomo. Ele se emprega na mansão dos Figueroa e atua como se fosse um detetive, analisando cada passo dos patrões.
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SUCATEIRA!!!
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Embora ainda more em Santana, Zona Norte de São Paulo, Maria do Carmo sonha com os Jardins, onde vivem os Figueroa e acenando a sua conta bancária, propõe a Edu um casamento de conveniência em troca do patrocínio para a produção de um carro de corrida, a sua paixão. Apesar de amá-lo, Do Carmo quer se tornar reconhecida e morar ali na mansão, ao mesmo tempo em que acredita que vai despertar o amor no playboy falido que está apaixonado por Paula. Como não é boba e sabe o que quer, Maria do Carmo usa vários artifícios para fisgar o seu grande amor. Edu não aceita o casamento, até que, sem jeito para o trabalho, é obrigado a aceitar a união com a sucateira que já na noite de núpcias é rejeitada.
Mas as coisas não são simples e Laurinha passa a infernizar a vida da sucateira, sobretudo pelo estilo despachado que Maria do Carmo tem em relação à vida. Se não bastasse enfrentar essa perigosa mulher, ela toma uma rasteira do mau-caráter Renato Maia (Daniel Filho), o administrador das concessionárias de automóveis e gerente da Sucata que descobre pelo testamento de Onofre (Lima Duarte), o pai da sucateira, que Caio (Antonio Fagundes) e Mariana (Renata Sorrah) são seus filhos e herdeiros, fruto de um relacionamento secreto com a vizinha Salomé (Fernanda Montenegro).

Numa grande virada, Maria do Carmo perde as ações para Dona Armênia que quer colocar o prédio “na chón”, pois segundo esta, Onofre construiu o prédio num terreno que pertencia ao seu marido. Como é descoberto que tudo não passou de um golpe, Armênia quer implodir “a predinha” de qualquer jeito. Renato aproveita dessa situação e casa-se com a frágil Mariana ao descobrir que a fortuna da sucateira está no nome de Salomé e conseqüentemente pertence a ela. O casamento faz parte de um plano maquiavélico e perfeito para se apoderar da fortuna da sucateira. Renato faz com que a esposa ache que está enlouquecendo e conta com a ajuda do bandido Franklin (Ivan Candido) para matá-la.
Maria do Carmo perde as ações do prédio e corajosamente volta a vender sucata, assim como fez o pai no passado. O seu inferno astral piora quando Edu resolve se separar depois da instalação de sua fábrica de carros. Mas Do Carmo é forte e com a ajuda de Caio, obtém parte das ações e bate de frente com a tresloucada Dona Armênia e o perigoso Renato.

Próximo ao final, Laurinha arranca um brinco de Maria do Carmo e se joga no alto do edifício da Sucata numa cena surpreendente (o primeiro suicídio explícito da teledramaturgia). A sucateira é incriminada e depois de alguns percalços, consegue provar a sua inocência.
Durante uma festa de reinauguração da Sucata, entre outras coisas, Edu e Maria do Carmo selam o amor e Jonas, o misterioso mordomo, revela a todos os convidados presentes que na verdade ele é o autor de uma inesquecível novela de televisão: RAINHA DA SUCATA.

Apesar das criticas no início por conta da inserção do Plano Collor em seu enredo (parte da mídia acusou a Rede Globo de saber de antemão sobre os planos do governo) e também pelo excesso de comédia, expediente pouco comum no horário das 20h, “Rainha da Sucata” se tornou antológica. Não apenas pela história de Maria do Carmo e Laurinha, mas também pelas trapalhadas do casal Caio e Adriana, que viviam perseguidos por Nicinha (Marisa Orth), a noiva “purgante” que, de mulher recatada, se torna uma vulgar. O caso de amor da francesinha Ingrid (Andréa Beltrão) com as três “filhinhas” de Dona Armênia também deu o que falar. E claro, a própria Dona Armênia, a excêntrica senhora que misturava o armênio com um sofrível português e tinha ganância por dinheiro, se tornou uma das maiores personagens populares da história da teledramaturgia. Sem falar das participações mais que especiais como a de Fernanda Montenegro no papel da amiga de Neiva (Nicette Bruno) e amante do marido da própria por mais de 40 anos. Ela dá um show na cena em que Onofre é enterrado e acaba morrendo ali mesmo no cemitério.

As trilhas sonoras também se tornaram especiais. Na nacional, Roupa Nova com seu “Coração Pirata”, resumindo com perfeição o universo da sucateira que subiu na vida com muita luta. Milton Nascimento cantando “Coisas da Vida”, tema de Edu, Paralamas do Sucesso com “Lanterna dos Afogados”, Legião Urbana cantando “Meninos e Meninas”, tema de Paula e “Foi Assim”, celebrando o conturbado romance entre Edu e Maria do Carmo, além, é claro, da lambada que virou febre na época. Na Internacional, grandes sucessos como “Into My Life” de Colin Hay Band, “Rebel in Me”, tema romântico de Edu e Do Carmo, a linda balada “Forever” dos roqueiros da banda Kiss cantando o tema de Ingrid, Mariah Carey com o sucesso “Visions of Love”, Janet Jackson e outros...
Enfim, 20 anos se passaram e assim como outras novelas de sucesso, “Rainha da Sucata” continua viva no imaginário de muita gente. Uma novela de sucesso que povoa as nossas lembranças televisivas e provoca sentimentos de saudosismo.

9 comentários:

Anônimo disse...

Rainha da Sucata está presente nas minhas melhores lembranças. E esse do texto do Wesley me ajudou a resgatar tais lembranças e elucidar dúvidas a respeito do desenvolvimento da trama, que já não era tão claro em minha mente (Pudera! Vi a novela quando tinha sete anos. rs)

Adorei! ;)

Unknown disse...

Que delícia de artigo Wesley. Adorei!! A Laurinha Figueroa é uma das minhas vilãs favoritas. Abraços!!

Unknown disse...

"Rainha da Sucata" é da década de 80, sabiam? A década de 80 vai de 1981 até 1990, só pra constar.

Essa novela passou numa época muito difícil para o Brasil, com o início do governo Collor, marcado pelo confisco da caderneta de poupança e tal, mas acho que por ser criança na época, eu tenho muita saudade.

Das novelas que o Silvio de Abreu escreveu para o horário das oito, "Rainha da Sucata", pra mim, foi a melhor. A trilha internacional, especialmente, me traz boas recordações: Lisa Stansfield com "All Around the World" é uma das faixas que escuto até hoje.

Telinha VIP disse...

Ótimo poder relembrar essa grande novela com esse artigo tão bem escrito! Laurinha é uma das melhores vilãs das novelas até hoje! Parabéns pela revista de altíssimo nível.

O Midiático disse...

Obrigado à todos que leram e gostaram da matéria. Agradeço ao Gui e também ao Duh por escolherem ela para a capa. Como disse ao Duh: "Tô podendo". rsrs

Rodrigo, pra mim, a década de 90 começa em 1990 mesmo!!!!
É uma questão de ponto de vista, talvez.
Todo mundo faz confusão. O próprio almanaque Anos 90 começa a ser contado em 1990 e Rainha da Sucata tem a cara dessa década portanto, na minha opinião, essa novela é dos anos 90, inclusive o site Teledramaturgia tbm lista-a nessa década, não tem porque eu mudar.

Guilherme Staush disse...

Parabéns pela escolha, Wesley!
Rainha da Sucata foi uma grande novela. Uma galeria de personagesn inesquecíveis desfilou pela novela: Maria do Carmo, Laurinha, Betinho, dona Armênia, Nicinha. Tenho muita saudade do Silvio de Abreu dessa época, que conseguiu aliar doses de humor à uma trama envolvente e interessante. Infelizmente a novela foi ameaçada pelo sucesso de Pantanal, mas não perdeu seu brilho.

TH disse...

Eu fui um dos que, aos 9 anos, conseguia ficar dividido entre Pantanal e Rainha da Sucata. Eu amo a trama de Benedito Ruy Barbosa e se fosse uma novela mais fraca, ela teria sido a lider absoluta no horario. Mas Rainha era muito boa. Personagens carismaticos, interpretações excelentes e todo o conjunto muito bem comentado pelo nosso querido Wes.
Belo texto. Excelente novela!

Mauro Barcellos disse...

É bom poder ler sobre essa maravilhosa novela. Glória Menezes e Regina Duarte em ótima forma. Achei um certo exagero, típico do Silvio de Abreu, na personalidade do Renato. Sempre tem um clima sombrio nas novelas dele. O fascínio dele pelo cinema faz com que ele tente transformar as novela dele num thiller ou um filme noir. O pecado talvez seja este.

Unknown disse...

Eu considero "Rainha da Sucata" da década de 80 pelo seguinte motivo: o calendário cristão começa no ano 1, e não no ano 0 (zero). Então, a primeira década da Era Cristã foi do ano 1 ao ano 10. Seguindo essa lógica, a década de 80 vai do ano de 1981 até 1990.